Alma Preta Jornalismo entrevista o Negritude Outdoor
- Negritude Outdoor
- 24 de jun. de 2024
- 5 min de leitura
Esta é a íntegra de uma entrevista feita pelo portal Alma Preta Jornalismo com o Negritude Outdoor, respondida por Denilson Silva, criador do coletivo, e que serviu como base para a publicação de uma reportagem no portal no ano de 2021.
ALMA PRETA JORNALISMO - Como surgiu o Negritude Outdoor? Qual foi a inspiração de vcs e os principais motivos para criar o projeto?
DENILSON SILVA - O coletivo surge de um questionamento sobre a presença de pessoas pretas nos espaços dos esportes e atividades outdoor (ao ar livre), no Brasil, que é rara, e quando existe é pouco mostrada e incentivada.
No Brasil, embora mais da metade da população seja preta, no imaginário, e na prática, do universo outdoor somos silenciados e afastados, como em outras esferas da vida social. E temos que levar em conta também que estas são algumas das atividades esportivas e de lazer que mais crescem no Brasil e no mundo.
Queremos ver pretas e pretas se divertindo, criando, empreendendo, competindo nos esportes e atividades outdoor, e conscientes que esse espaço também é́ nosso, pois também temos o direito de ser parte da celebração da vida ao ar livre!
APJ - Como o grupo foi crescendo e ganhando mais adeptos?
DS - Através das redes, vamos convergindo, nos encontrando, tudo de forma muito orgânica e bem fluída. Pessoas que fazem trilha, escalam, pedalam, que sempre se sentiram deslocadas de alguma forma, conhecem o coletivo e ganham mais ânimo, pois tem gente igual a elas fazendo todo tipo de coisa no cenário outdoor.
A maioria das atividades e esportes outdoor são em grupo ou demandam que você de alguma forma tenha de adentrar a um nicho, então muitas vezes furar esta bolha é bem difícil, principalmente quando não há pessoas iguais a você lá dentro. E tem sido legal ver como o coletivo tem crescido e um ajudando o outro a encontrar melhores caminhos e também novos caminhos, é um quilombo.
APJ - Qual é o principal objetivo do grupo?
DS - O Negritude Outdoor surge da busca por representação, mas pretende caminhar além disso, já que o real intuito não é́ “apenas” mostrar que existimos, mas expandir a presença das pretas e pretos do universo outdoor brasileiro em todas as escalas. É um ato por representatividade, diversidade e empoderamento.
APJ - Quais são os eventos promovidos pelo Negritude Outdoor e como eles começaram?
DS - Passamos um bom tempo promovendo nossas pautas e discussões através do Instagram, que foi onde demos visibilidade inicial a elas. Surgimos durante a pandemia, e isso conduziu a forma como funcionávamos. Mas já realizamos nosso primeiro encontro oficial, em novembro na Pedra Grande de Atibaia (SP), além de já estarmos nos preparando para o próximo também na região de São Paulo, envolvidos no primeiro encontro de escaladores negros no Brasil que será em fevereiro em Brasília, e já articulando outros eventos a nível nacional.
Outros encontros, extraoficiais, já foram realizados antes entre pessoas do coletivo, que puderam se conhecer ou que já moram nas mesmas cidades/regiões, como o pessoal de Minas Gerais ou da Bahia.
Algumas novidades nas redes e em outras plataformas diferentes do Instagram também virão por aí, tudo com o intuito de alcançar mais pessoas pretas e fazer com que se conectem e se sintam à vontade e empoderadas realizando atividades outdoor.
APJ - Como o grupo é gerido hj?
DS- Nosso coletivo tem um funcionamento totalmente horizontal e não hierarquizado, as ideias vão surgindo e nós vamos conversando e colocando-as em prática, e cada um contribui de acordo com sua possibilidade, disponibilidade e habilidade.
APJ - Vocês conhecem ou tem contato com todas as pessoas que aparecem no feed de vcs?
DS - Não todas, pois as pessoas marcam nossa hashtag #negritudeoutdoor ou nosso perfil e vamos repostando, incentivando a aventura individual ou coletiva de cada um. Mas muitas delas passam a participar do grupo de WhatsApp do coletivo, onde os laços acabam se estreitando.
APJ - Todas as pessoas são Brasileiras? De quais estados?
DS - Sim, repostamos o pessoal do Brasil, mesmo que more ou esteja viajando no exterior. Há pessoas de vários estados somando com o coletivo, São Paulo, Bahia, Rio de Janeiro, Paraná, Santa Catarina, Pernambuco, Goiás, Minas Gerais, e por aí vai. Fora o pessoal no exterior, como EUA e Irlanda.
APJ - Quais histórias de vida e de superação vcs costumam contar alí? Quais as mais marcantes?
DS - Uma pessoa preta ir lá e meter a cara nos ambientes do cenário outdoor de uma forma geral já é uma superação em si, principalmente se estiver lá consciente de sua negritude, pois são atividades e locais quase que majoritariamente voltados para uma presença branca, mesmo que subliminarmente. Pode parecer estranho falar isso, pois são ambientes naturais e teoricamente livres, mas bem sabemos o que as pessoas pretas passam para estar em qualquer ambiente, e sempre haverá sinais de que não são bem vindas de alguma forma ou outra.
Esportivamente, em 2021 seria importante destacar o feito da montanhista Aretha Duarte, que se tornou a primeira mulher negra e latino-americana a chegar no topo do mundo, o Monte Everest. Ela é uma atleta profissional de montanha, da cidade de Campinas (SP), e literalmente teve de subir várias montanhas sociais mais altas que o Everest, para aí sim ir até os Himalaias e representar todos nós.
Também temos o Carlos Dias, um ultramaratonista de São Paulo, que este ano completou a Namib Race, uma prova de corrida extrema realizada na Namíbia. A história do Carlos é muito interessante, porque assim como a Aretha Duarte, é um atleta que compete em prol de várias causas sociais e ambientais, mas ambos, e outros, precisam fazer mil vezes mais que atletas brancos, que muitas vezes só competem por medalhas e interesses pessoais, o que não deixa de ser parte do jogo, afinal é a profissão deles, mas que coloca em xeque mais uma vez as estruturas sociais, raciais e econômicas, definindo também quem merece e alcança destaque ou não.
Mas fora estes atletas pretos incríveis, que estão na elite de seus esportes, como eu disse, toda pessoa preta nesses ambientes, esportivamente (seja ela profissional ou amadora) ou praticando atividades de lazer como entusiasta, é um exemplo de superação e uma inspiração pra gente no coletivo, que é formado majoritariamente de entusiastas, não de atletas profissionais.
APJ - Como é ser negro no meio outdoor? Como é levantar essa bandeira? Há algum dado estatístico para a porcentagem de pessoas negras nesses esportes?
DS - Em muitos momentos, e para muitos de nós, é uma experiência sufocante. E quanto mais se tem consciência das estruturas racistas, que se mostram nas pessoas, nos locais, na mídia especializada, no mercado do cenário outdoor, nas tomadas de decisão e no imagético como um todo, mais sufocante tudo fica. Só que tudo isso não precisa ser assim, pois afinal, somos maioria da população e temos todo o direito de não somente ocupar os espaços, mas também que os ocupemos com poder, nosso poder.
Recentemente tivemos acesso a um censo do montanhismo, que é uma parcela grande das atividades outdoor, e entre os entrevistados, os praticantes do esporte, 73% dos que responderam ao censo eram brancos. E isso com certeza vai se repetir em quase todas as modalidades, ciclismo, escalada, trail run, slackline, etc, com números próximos ou até mais gritantes que estes.
Nós quase nunca estamos nas revistas, nos documentários, nas propagandas, nas competições, e entre qualquer forma de protagonismo deste cenário por completo, que é um dos que mais crescem ao redor do mundo. E um exercício simples é visitar qualquer perfil digital de uma marca outdoor, folhear uma revista da área ou observar destinos de aventura e questionar se no mínimo a parcela preta de nossa população está sendo representada de forma justa. E isso não se resume a números, mas envolve também a forma como somos representados.
Você pode ler a reportagem oriunda desta entrevista aqui.
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