Pense em um escalador / escaladora negro reconhecido no Brasil. Algum nome vem à mente? Pois é, não somos muitos...
Preto escalador cresce sem referência no esporte e demora muito mais tempo para conquistar apoio como atleta. Depois de 19 anos de experiência, com boas colocações em campeonatos estaduais e nacionais, a Buffalo Wax é a primeira marca a me oferecer apoio.
Quando eu comecei, não haviam muitos atletas negros. No Rio de Janeiro, o mais conhecido era o Paulo Bastos, que acabou tendo que aceitar e naturalizar o apelido de "Paulo Macaco"... Ainda hoje, poucas pessoas negras conseguem ganhar destaque nacional. Por quê?
A escalada ainda é um esporte elitista e excludente. Eu demorei pelo menos dois anos, trabalhando duro como guia de turismo, para juntar dinheiro para fazer o curso básico e comprar o equipamento suficiente para começar. Isso explica porque a maioria dos atletas são brancos, em sua maioria heterossexuais, e abastados financeiramente. As mulheres também demoraram para ganhar seu espaço - e não foi por falta de potencial e competência.
Eu tive a sorte de crescer caminhando no mato e fazendo trilhas com minha família. A gente ia muito ao Morro da Urca nos fins de semana, e minha mãe sempre me colocava para subir uma rampinha de pedra - depois fui descobrir que a ali era a base de várias vias de escalada. Eu adorava subir e ficar lá curtindo, apreciando a vista. Acho que foi aí que começou minha paixão pela escalada, mesmo sem eu saber.
Assim que foi possível, comecei a treinar. A primeira experiência escalando, foi no Morro da Babilônia. Passei por alguns perrengues no início, mas toda experiência era um incentivo e um lembrete de que é possível ir mais longe.
Participei de algumas competições e conquistei alguns títulos. O primeiro lugar na 2a etapa do Campeonato Estadual (categoria: amador), em 2010. O segundo lugar no SP Open Boulder (categoria intermediário), em 2011. O segundo lugar no Campeonato Brasileiro amador, (categoria intermediário), em 2012 no Rio de Janeiro. Mas, infelizmente, competir sem apoio não foi uma opção para mim. Sem recursos precisei abrir mão do sonho de ser um atleta profissional.
Apesar dos "nãos" que recebi na minha trajetória, a motivação para continuar escalando foi mais forte. É única a sensação de olhar para uma via desafiadora, duvidar por um momento da minha capacidade e superar os limites da mente.
Com muito treino e persistência, mandei cadenas consideradas difíceis, como v10 no boulder e 9b em vias. Claro que nem sempre as coisas saem como a gente espera. Durante esse tempo já me lesionei, e fiquei cadeirante por alguns meses. Aprendi a respeitar os momentos de pausa, necessários para recuperar as lesões, os vejo como um grande aprendizado.
Mas é importante ressaltar que é muito difícil alcançar alta performance sem apoio e formação de base. Assim como em nossa sociedade, não existe meritocracia sem oportunidades iguais para todes na escalada. Por isso, faço o que posso para incluir a juventude negra no esporte, realizando saídas para escalar com crianças e adolescentes da cidade.
A escalada teve um peso grande na minha escolha de morar na Chapada Diamantina, 4 anos atrás. Assim como no Rio, a luta diária para enfrentar o racismo no esporte continua aqui na Bahia. As atitudes racistas se mostram nas sutilezas do dia a dia, e vou te dizer que não é fácil manter a cabeça erguida.
Agradeço à Buffalo Wax por aplicar seu discurso antirracista na prática e confiar em mim - preto, com muito orgulho. A escalada precisa ser mais diversa e inclusiva. Somos e seremos militância por um esporte menos elitista!
Artigo de Rafa Rebello. escalador, bacharel em Turismo, e Condutor de Turismo de Aventura na Chapada Diamantina.
Foto: Hury Ahmadi
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