Por: Rafael Precioso
Os espaços naturais, como praias, montanhas e parques, são territórios
compartilhados que, em tese, pertencem a todos. Contudo, a forma como
diferentes grupos sociais ocupam e utilizam esses espaços revela dinâmicas
mais profundas de desigualdade, preconceito e exclusão.
A imagem de “caixas de isopor e latas de cerveja” muitas vezes se torna
um marcador simbólico usado para desqualificar certos grupos sociais,
especialmente aqueles racializados e de classes populares. Esses elementos
passam a ser associados a uma ideia de “falta de educação” ou “desordem”, o
que reforça estereótipos preconceituosos que têm raízes em processos
históricos de exclusão racial e social no Brasil.
Esse julgamento, em sua essência, carrega camadas de racismo
estrutural. Ele ignora as desigualdades que moldaram o acesso e o
comportamento em espaços públicos. Por décadas, populações negras e
indígenas foram segregadas ou invisibilizadas nesses territórios, ao mesmo
tempo em que as elites econômicas e brancas assumiam o protagonismo nos
discursos de preservação e “uso responsável” desses ambientes.
Mas quem define o que é “educação” ou o “uso adequado” dos espaços
naturais? Por que uma família com isopor e cerveja é vista como “desrespeitosa”,
enquanto piqueniques gourmet e esportes outdoor são celebrados como
experiências legítimas da natureza? Essas visões carregam um viés de classe e
raça, que marginaliza práticas culturais populares, muitas vezes associadas à
maioria negra e periférica.
A marginalização de práticas culturais populares nos espaços naturais é
muitas vezes um reflexo do abandono histórico e estrutural do Estado em prover
políticas de lazer acessíveis e inclusivas para comunidades vulnerabilizadas.
Esse abandono pode ser observado em diferentes dimensões, como a falta de
investimento em infraestrutura, a ausência de programas culturais e recreativos
voltados às periferias e a imposição de modelos elitizados de convivência com a
natureza.
Ao mesmo tempo, é importante discutir como a presença nesses
espaços deve ser pensada para garantir um uso sustentável e respeitoso, mas
sem cair no erro de perpetuar preconceitos e exclusões. A inclusão é
fundamental: educação ambiental deve ser um direito de todos, assim como o
acesso democrático aos bens naturais. O que falta, muitas vezes, não é
“educação”, mas oportunidades igualitárias para que todos entendam e se
apropriem desses lugares de forma respeitosa e sustentável.
É hora de rever nossos olhares e questionar os filtros pelos quais
interpretamos a ocupação dos espaços naturais. Em vez de rotular práticas
populares como inadequadas, é essencial promover uma educação que conecte
os princípios ambientais à justiça social e racial. Uma perspectiva antirracista
nos permite entender que as desigualdades históricas influenciam as formas de
uso e percepção desses espaços. Educar para a sustentabilidade, com respeito
à diversidade cultural, não apenas amplia o pertencimento, mas também
transforma os espaços naturais em territórios de convivência, onde todas as
práticas podem coexistir de forma consciente e equilibrada. Somente assim,
superamos preconceitos e construímos uma relação mais justa e harmoniosa
com a natureza e entre nós mesmos.
Foto de Daniel Barriquelo.
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