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Tokenismo e a Ilusão de Inclusão: O Desafio da Consciência Coletiva

Foto do escritor: Negritude OutdoorNegritude Outdoor

Por: Rafael Precioso


Muitas pessoas negras pensam que, adaptando-se às normas de

um sistema de dominação racial branca, vão conseguir garantir a sua

sobrevivência e estabilidade econômica. Por esta razão, em geral, elas acabam

abraçando iniciativas denominadas como “inclusivas”, mas que são apenas

práticas de tokenismo. Esta adaptação à norma "branca/eurocêntrica" ocorre, na

maioria das vezes, como uma estratégia de sobrevivência em situações

adversas. Mas, basicamente, esta adaptação muito raramente se traduz em

emancipação ou fortalecimento coletivo. Em muitos casos, isso se dá apenas

por uma inclusão superficial que perpetua, de fato, desigualdades estruturais por

trás da falsa ideia de pertencimento. Isso é particularmente grave se pensar na

forma como o tokenismo aparece quando negros são tomados como "exemplos

de sucesso", colocando-se para fora do racismo sistêmico, ao mesmo tempo em

que são deslegitimadas as críticas que outras vozes negras possam fazer.


Na defesa deste sistema opressor e, portanto, das suas

ferramentas, aparecem, então, no fundo, fatores sociais e psicológicos

extremamente complexos. Em sociedades que historicamente desumanizaram

e marginalizaram os negros, existe uma pressão constante para as pessoas

negras se conformarem às expectativas do grupo dominante. Esta espera de

aceitação e valorização pode levar algumas pessoas a internalizarem ideais

racistas, mesmo sem se aperceberem disso. Assim, defendendo a estrutura

existente, tais pessoas acreditam que procuram proteger a sua segurança.

Portanto, a sua estabilidade financeira e mesmo a aceitação social.

Quando um negro ousa criticar essa estrutura, rompe com a narrativa de que o

racismo é um problema individual e não sistêmico. Este rompimento incomoda,

sobretudo, aqueles que colocaram sua trajetória em função do esforço para o

“encaixamento”. A crítica ao sistema incomoda a falsa segurança de que foi

construída em torno do tokenismo para expor as desigualdades ainda em

vigência para quem tem um lugar no sistema.


Além disso, o sistema branco patriarcal e capitalista incita pessoas

negras à competição entre si, fazendo com que a solidariedade seja dissolvida.

Esta competição é parte da estratégia de impedir a organização negra capaz de

configurar uma luta que questione a estrutura de poder. Quando um negro

defende o sistema e ataca um negro que o critica, ainda que involuntariamente,

ele reitera uma lógica de divisão do colonizador que diz “dividir para melhor

reinar”.


Para romper essa dinâmica, é essencial investir em educação

crítica e na criação de espaços de debate que coloquem as pessoas negras

como protagonistas de suas narrativas. A desconstrução do racismo

internalizado é um processo desafiador e exige coragem para reconhecer como,

muitas vezes, contribuímos, mesmo sem intenção, para perpetuar dificuldades

que amplificam nossas dores coletivas. É por meio da consciência coletiva e da

valorização de nossas vozes que podemos transformar essas dinâmicas,

caminhando em direção a um futuro verdadeiramente inclusivo e justo.


Frantz Fanon, em sua análise sobre o colonialismo, expôs como as

estruturas de dominação moldam não apenas as condições materiais, mas

também os imaginários e os desejos dos colonizados. Dentro dessas dinâmicas,

é possível entender por que muitas pessoas negras aderem a projetos ou

ferramentas que, embora criados sob uma lógica branca e colonial, prometem

inclusão ou progresso. Essa adesão é frequentemente alimentada por

dispositivos coloniais que operam tanto na esfera social quanto na subjetividade

individual.


O colonialismo não apenas subjugou fisicamente os corpos negros,

mas também se infiltrou na psique coletiva, projetando a cultura e os valores do

colonizador como o padrão universal de progresso, beleza e racionalidade. Para

Fanon, esse processo cria uma relação de alienação, onde o colonizado, para

existir socialmente, busca se moldar aos valores e normas do colonizador, essa

alienação pode ser observada na aceitação acrítica de um modelo que

desconsidera as histórias de resistência e luta das comunidades negras e

indígenas, tratando-as como detalhes periféricos diante da "universalidade" da

conservação ambiental, e principalmente sem analisar o efeito sociológico que

isso pode trazer futuramente para um sistema tão desigual como o território

brasileiro.


As pessoas negras que defendem tais iniciativas frequentemente o

fazem porque os dispositivos coloniais as condicionaram a perceber a adesão

ao sistema como uma forma de sobrevivência ou ascensão. Essa estratégia, no

entanto, é profundamente marcada pela tensão entre o desejo de

reconhecimento e a manutenção de uma estrutura que perpetua a exclusão.

Fanon descreveu essa dinâmica como um "desdobramento" do sujeito

colonizado, que busca se integrar ao mundo do colonizador acreditando que isso

lhe garantirá dignidade e segurança.


Contudo, essa adesão raramente resulta em emancipação. Em vez

disso, reforça a lógica colonial que separa o colonizado de sua identidade e

história. Projetos que negam isso, e ignoraram as narrativas de resistência negra

e indígena, operam dentro de um dispositivo colonial que silencia e apaga as

marcas da violência histórica. Nesse contexto, a defesa dessas ferramentas por

pessoas negras não é uma simples escolha, mas um reflexo de uma estratégia

de sobrevivência em um sistema que insiste em negar o valor de suas próprias

histórias e experiências.


A internalização dos valores coloniais também é acompanhada por

uma dinâmica de competição fomentada pelo sistema, que divide as

comunidades racializadas e impede a solidariedade necessária para uma

transformação estrutural. Fanon descreve isso como parte da lógica de "dividir

para governar", onde os colonizados são induzidos a competir entre si pelo

reconhecimento do colonizador, ao invés de se unirem para questionar o

sistema.


Para romper com essa dinâmica, é necessário revisitar criticamente

as práticas e narrativa. Em vez de reproduzir dispositivos coloniais que

centralizam perspectivas brancas e eurocêntricas, é fundamental incluir

ativamente as vozes e conhecimentos das comunidades negras e indígenas em

todas as etapas do planejamento e execução. Isso significa não apenas

consultá-las, mas torná-las protagonistas no processo de gestão, reconhecendo

as como detentoras de saberes que transcendem os valores impostos pelo

sistema colonial.


A superação dos dispositivos coloniais exige, como Fanon

defendeu, uma desalienação profunda e dolorosa, que começa com o

reconhecimento das formas como fomos condicionados a aceitar o mundo

branco como único caminho possível. Somente ao desafiar essas estruturas

internas e externas, podemos transformar e criar projetos verdadeiramente

inclusivos, capazes de conectar não apenas paisagens, mas também histórias,

memórias e direitos.


Essa transformação não é apenas uma questão técnica ou

administrativa, mas uma luta política e ética pela justiça histórica e racial. Trata

se de compreender que o futuro só será verdadeiramente inclusivo quando

construído sobre as bases de um passado reconhecido e honrado, onde as

vozes silenciadas possam finalmente ser ouvidas.


Referências


• Fanon, F. (2008). Pele negra, máscaras brancas. Trad. Renato da

Silveira. Salvador: EDUFBA.


• Fanon, F. (1968). Os condenados da terra. Trad. José Laurênio de Melo.

Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.


• Hall, S. (2016). Da diáspora: identidades e mediações culturais. Trad.

Adelaine La Guardia Resende. Belo Horizonte: Editora UFMG.


• Mbembe, A. (2018). Crítica da razão negra. Trad. Marta Lança. Lisboa:

Antígona.


• Quijano, A. (2005). Colonialidade do poder, eurocentrismo e América

Latina. Novos Estudos Cebrap, 4(21), 93-117.


• Spivak, G. C. (2010). Pode o subalterno falar? In: C. A. Costa (Org.),

Estudos Subalternos: Uma Antologia. Rio de Janeiro: Editora UFRJ.


• Santos, B. S. (2019). O fim do império cognitivo: A afirmação das

epistemologias do sul. Belo Horizonte: Autêntica.


Foto de Daniel Barriquelo.

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